a mulher do olho roxo

há uma mulher que não enxerga com os olhos.

os olhos dela são distrações, janelas enganosas, cortinas de fumaça pra quem acha que vê.

ela vê por dentro.

ela vê com o que pulsa entre as sobrancelhas.

um olho só, no meio do silêncio, feito portal, feito promessa, feito cicatriz que virou clarão.

ela vê o que ninguém vê.

vê o que se esconde nas entrelinhas, o que sangra por trás do sorriso, o que pulsa no que parece parado.

vê o que não se diz, o que não se toca, o que não se admite.

é sensível demais pra este mundo.

e forte demais pra fingir que não é.

às vezes, esconde o dom como quem esconde um coração batendo fora do peito.

mas ele insiste.

pisca.

grita em silêncio.

incomoda.

e se revela como luz redonda e roxa

bem no escuro do olho fechado.

chamam de delírio.

de sensibilidade exagerada.

de “coisa da cabeça”.

mas ela sabe.

ela sabe que viu.

ela sabe que viu porque sentiu.

porque soube antes de saber.

e talvez esse seja o maior dom dela:

não ver o futuro,

nem o passado,

mas aquilo que está gritando agora — em outra frequência.

a mulher do olho roxo carrega mundos dentro do peito.

ela não acredita em coincidência,

em gente vazia,

nem em silêncio neutro.

tudo nela é portal.

ela ama como se atravessasse galáxias.

sente como se recolhesse destroços de naufrágios alheios.

e escreve como se desse nome ao invisível.

quando ela some,

é porque está atravessando a si mesma.

quando ela volta,

não é mais a mesma.

e ninguém entende.

mas o olho entende.

ele pisca.

ele sabe.

porque é assim que a mulher do olho roxo segue:

vendo o que ninguém vê.

sentindo o que ninguém sente.

e voltando inteira

de lugares onde quase ninguém

ousa entrar.

-b.monma

Publicado por Bruna Monma

Escritora e criadora de projetos autorais. Escrevo crônicas, reflexões e narrativas sobre identidade, tempo e o que não cabe em legendas. Acredito na palavra como forma de presença.

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