O Dia em que Faltou Luz e Sobramos Nós

Era uma quarta-feira comum até que, do nada, voltamos no tempo para a Idade Média. Não porque o mundo acabou, mas porque esquecemos de pagar a conta de luz. Um detalhe besta, um mero descuido, um sinal claro de que a vida adulta é basicamente um looping de boletos, prazos e esquecimentos estratégicos.

A verdade? Nem era por falta de dinheiro. Só de memória. Só de cabeça cheia demais, girando entre açougue, choperia, rotina e um milhão de pequenas responsabilidades que a gente insiste em equilibrar como se fosse fácil. O fato é que, sem aviso prévio – ou melhor, com todos os avisos que ignoramos – a escuridão tomou conta.

Sem Netflix. Sem banho quente. Sem Wi-Fi. Sem a ilusão de que tínhamos o controle de tudo.

A primeira reação foi óbvia: caos. A segunda foi inesperada: liberdade. Porque sem eletricidade, sem trabalho, sem a pressão do dia seguinte, sobrou tempo. Sobrou espaço. Sobrou a gente.

Foi assim que, sem luz e sem plano B, decidimos fugir. Para onde? Para o Airbnb dos meus sogros. Algo que nunca faríamos em uma quarta-feira qualquer, mas que, naquela noite, parecia a coisa certa a fazer.

E foi lá, na piscina quente, no banho morno e na comida pedida às pressas, que entendemos o presente disfarçado que o destino tinha jogado no nosso colo. Sem distrações, sem ruídos. Só nós dois. E então, o tempo desacelerou.

Rimos. Conversamos. Nos enroscamos no sofá para ver um filme sem precisar pausar para responder mensagens. Namoramos. Dormimos em paz. E, no meio desse apagão forçado, uma coincidência que não parecia tão coincidência assim: há exatamente quatro anos, começávamos a morar juntos.

Quatro anos de rotina, trabalho, boletos esquecidos e um amor que, vez ou outra, precisa de um respiro. E talvez tenha sido isso que a vida quis nos lembrar ontem: que, no meio do caos, a gente precisa desligar. Às vezes, à força.

Mas que bom que esqueceram de acender a luz.

Publicado por Bruna Monma

Escritora e criadora de projetos autorais. Escrevo crônicas, reflexões e narrativas sobre identidade, tempo e o que não cabe em legendas. Acredito na palavra como forma de presença.

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