Os guardiões do véu


Alguns voos não são de chegada, mas de vigília.
Há quem cruze os céus não pra revelar, mas pra guardar o mistério.

Outro dia, me peguei olhando pro céu.

Coisa boba, dessas que a gente faz quando o tempo dá uma trégua e a alma consegue respirar.

As nuvens dançavam devagar. Tinha um rosto sorrindo, depois virou uma concha, depois um olho. Eu via mensagens. Formas que pareciam falar comigo. Como se alguém estivesse desenhando lá em cima só pra mim, no exato instante em que eu precisava ver.

Mas aí vinha um urubu. Sempre ele. Silencioso, imponente, cortando o ar em círculos lentos. E, de repente, a nuvem se desmanchava. A forma sumia. O recado se desfazia no vento.

Foi assim algumas vezes, até que me veio o pensamento:

e se os urubus forem os seguranças do véu?

Sim, o véu. Aquela fronteira invisível entre o que se vê e o que se sente. Entre o mundo de cá e o que está além. O espaço sagrado que a gente só acessa quando está distraída o suficiente pra não atrapalhar.

Talvez os urubus não sejam mensageiros da morte, como ensinaram por aí.

Talvez sejam guardiões do mistério.

Os que chegam para recolher o cenário depois que a cena mais bonita já foi entregue. Como quem diz:

“já viu o que precisava ver, agora guarda com carinho e segue.”

Desde então, olho pra eles diferente.

Com reverência. Com silêncio.

Eles não atrapalham mais minha visão, só encerram o espetáculo.

Talvez o sagrado seja isso mesmo: algo que só se revela a quem sabe olhar,

e que se retira antes que a gente queira entender demais.

E você? Já viu alguma forma nas nuvens que parecia falar direto com você?

Publicado por Bruna Monma

Escritora e criadora de projetos autorais. Escrevo crônicas, reflexões e narrativas sobre identidade, tempo e o que não cabe em legendas. Acredito na palavra como forma de presença.

3 comentários em “Os guardiões do véu

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