Ontem eu assisti a um filme que, sinceramente, me fez querer tomar um banho gelado de realidade. “A Ilha”, já viu? É basicamente sobre gente bilionária que decide comprar clones — humanos mesmo, inteiros, bonitinhos, respirando, andando, sonhando — só pra, caso precise de um rim, ou de um pedaço de pele pra esticar o rosto, ter à mão. Como quem tem um freezer extra na cozinha pra guardar carne.
A parte mais chocante nem foi o laboratório de clones, nem as cirurgias, nem o carrossel de corpos. A parte mais chocante foi perceber como é absurdo… e ao mesmo tempo como é perfeitamente plausível. Porque, vamos combinar, o que impede alguém com dinheiro infinito de fazer o que bem entender? Um papel escrito “Constituição”? A ONU batendo palminha numa conferência? Ah tá.
No filme, o bilionário descobre que o clone tem consciência, que sente, que sofre, que tem medo de morrer. E o que ele faz? Basicamente diz: — Foda-se. Eu paguei. É meu. Eu quero viver. Que morra ele. Simples assim. A parte do cérebro dele que liga empatia foi desativada por excesso de zeros na conta bancária.
E aí, claro, minha cabeça deu aquela explodida desconfortável no travesseiro:
E se isso já existir?
E se, enquanto eu tô aqui me afundando num Netflix e tentando pagar o boleto do cartão, tem alguém num lugar que eu nunca vou pisar, assinando um contrato confidencial pra encomendar um clone pra “fins terapêuticos”?
Porque esse é o ponto mais perturbador de todos: se gente assim quisesse, o mundo nem ia ficar sabendo. Ia continuar girando, bonitinho, com stories de brunch e pet influencers, enquanto em algum subterrâneo de laboratório caro, tem alguém crescendo num tubo, só esperando ser fatiado pra salvar o “original”. A gente não ia nem sonhar.
E o pior é que, no fundo, a gente já normaliza horrores parecidos todo dia. Com quem costura a nossa roupa por 3 centavos na Ásia. Com quem cava o lítio do nosso celular morrendo de fome na África. Com quem limpa nosso prédio invisível, sem nem um bom dia.
É tudo tão absurdo quanto. Só que a gente chama de “economia globalizada”.
No fim, fiquei ali, meio sem ar, pensando que talvez a única diferença entre o clone e a gente seja que, pelo menos, a gente tem a ilusão de que é livre. E olha lá.
– b. monma